Dia Internacional da Mulher: Porque essa data segue sendo extremamente relevante

Você pode substituir por respeito, igualdade salarial, divisão das tarefas da casa, não silenciar diante da violência, não matar e mais uma infinidade de ações dessa grande e importante lista do que se oferecer ou não a uma mulher no dia 8 de março, ao invés de chocolates, flores e até mesmo desejar parabéns. A ABRAPS, por meio do GT de Diversidade e Inclusão, conversou com mulheres envolvidas em causas feministas para saber o que há de tão importante no dia 8M, o que já foi conquistado, quais as lutas que ainda têm que travar no seu dia-a-dia e o que elas diriam para outras mulheres.

O dia 8 de março foi institucionalizado pela ONU em 1975 como o dia internacional da mulher. Esse é um dia para trazer o foco às lutas mais urgentes das mulheres por todo o globo terrestre, embora nem todos os países considerem esse dia.

Os anos passam e as causas continuam tão urgentes que é difícil nomear a mais importante, mas a Ativista do Fora do Eixo, feminista negra, pansexual, militante body positive e gestora da Mídia NINJA, Dríade Aguiar explica que, para ela, a luta mais latente é defender o direito à vida da mulher e acabar com os feminicídios. “A causa mais importante hoje em dia é parar o feminicídio, ou seja, que as mulheres parem de morrer e que tenham acesso e garantia à vida, essa é a primeira coisa”, afirma.

De acordo com o Atlas da Violência 2019 do instituto IPEA, o número de feminicídios cresceu significativamente, com cerca de 13 assassinatos por dia, ao todo 4.936 mulheres foram mortas em 2017, o maior número desde 2007, um crescimento de 30,7% de casos. Quando comparado o caso entre mulheres negras e não negras, o aumento da taxa de feminicídio é de 29,9% e 4,5% .

Outro ponto considerado pelas mulheres é o mercado de trabalho que, de acordo com Maria Carolina Lima, coordenadora de RH de uma grande empresa, tem os caminhos mais abertos para as mulheres brancas, ainda que ganhem menos nos níveis mais altos, comparado aos homens brancos. No entanto, o cenário é ainda mais difícil para as mulheres negras. “Para uma mulher negra, estar em uma posição dessas é quase nula a possibilidade. Digo isso fazendo um comparativo com as exigências corporativas hoje e a história da mulher negra. Há reflexos sérios na base estudantil desse nicho. Após a escravatura, os negros foram ‘libertos’ sem nome e endereço e quem dirá uma formação digna, e infelizmente isso é latente até nos dias de hoje. É só visitar as melhores universidades públicas e verificar o percentual de negros”, explica.

A coordenadora de RH ainda aponta que o problema é estrutural. “É injusto cobrar de uma mulher que mal teve uma educação digna, que precisou trabalhar cedo para ajudar em casa, que foi mãe aos 15 por falta de estrutura familiar, que ela tenha um currículo com inglês fluente e intercâmbio. Se as empresas não deixarem de ser elitistas e não se voltarem para o desenvolvimento dessa população, acho difícil evoluírmos em médio prazo”.

A equidade de gênero é uma das principais causas do movimento feminista e para alcança-la é necessário vencer algumas etapas. Para a consultora de RH, militante do movimento negro, Fundadora da Kinah — Desenvolvimento Profissional, e professora Katiana Normandia, é primordial “ incluir desde cedo nas escolas a importância das mulheres e desconstruir o machismo”, afirma.

Para Cristine Naum, líder do GT, ainda temos muito o que evoluir na igualdade de oportunidades. Acrescenta ainda que essa é uma questão que interessa a homens e mulheres e que a equidade de gênero traz benefícios a ambos.

Seguindo o mesmo apontamento sobre a educação e a ocupação de espaços públicos, a gestora do Mídia Ninja complementa: “estou falando desde garantir educação em espaços rurais. Por exemplo, muitas mulheres no país ainda não têm acesso à educação, não só no sentido do letramento, mas de fato depois do letramento e da alfabetização, como também elas poderem se eleger e se formarem em alguma profissão. Também para a garantia de mulheres na política seria uma ótima. Que os partidos de fato estejam abertos para que as mulheres sejam eleitas e não só na dependência do cumprimento de uma lei que eles são irrevogavelmente anistiados”.

Dríade reitera que a autonomia financeira das mulheres é outra pauta importante. “A mulher autônoma financeiramente escolhe o caminho que ela quer trilhar, então isso seria um grande avanço”, completa.

Luciana Trindade, consultora de diversidade e inclusão, pensa que todas as causas das mulheres são importantes, mas é também fundamental tirar as mulheres com deficiências da invisibilidade. “Todas as causas femininas são extremamente importantes. Entretanto, fazer com que a mulher com deficiência saia da invisibilidade e passe a integrar os grupos de discussão, para mim é a chave. Pois o que tenho observado é que mesmo em grupos onde se discute apenas os temas femininos, a mulher com deficiência nunca é lembrada e, na maioria das vezes, não está representada. Então, para mim a causa mais importante atualmente é retirar a mulher com deficiência do estado de invisibilidade”, pondera Luciana.

A interseccionalidade dentro das causas feministas

O termo interseccionalidade é acadêmico e foi criado pela professora e jurista Kimberlé Crenshaw no âmbito das leis antidiscriminação e pelo movimento das mulheres negras. Além disso, a expressão mostra que é impossível separar a estrutura do racismo, capitalismo e o patriarcado cis heterossexual.

Hoje, quando se fala em pautas das mulheres, a interseccionalidade basicamente aponta que uma coisa não exclui a outra, ou seja, todas as agendas e pessoas têm o mesmo grau de importância.

Katiana Normandia acredita que “se faz necessário uma análise interseccional sobre todas as ações que vêm acontecendo no Brasil, bem como das feministas brancas, e se elas estão de fato abraçando as causas como um todo. Descolonizar é preciso e urgente”.

Dríade também pensa na interseccionalidade como um movimento plural. “Só é interseccional se abraça. Não é feminismo interseccional se não está olhando para as mulheres bi, pans, homossexual e enfim, as mulheres trans e travestis, as não binárias e inclusive os homens trans. Então, se esses corpos não estão presentes não é feminismo interseccional” explica.

A consultora de diversidade e inclusão aponta a importância de integrar as demandas das mulheres com deficiência. “A interseccionalidade tem permitido às mulheres em geral rever de forma político-teórico a incorporação de demandas das mulheres com deficiência. É através da interseccionalidade que estamos sendo discutidas nas academias e não mais alocadas como ‘outras’ depois de diversos marcadores sociais, inclusive de gênero”, afirma.

Por fim, todas as entrevistadas deixaram uma mensagem pelo dia das mulheres.

Carolina Lima foi enfática ao dizer que “não somos frágeis! Somos mães, esposas e filhas. Somos fonte de renda para nossas famílias, somos sonhadoras e realizadoras de sonhos! Somos histórias de superação! Somos belas, fortes e sábias. Somos amadas e somos o amor!”.

Katiana Normandia lembra as mulheres do que é importante: “seguirmos unidas, sem distração. Sororidade real é a salvação”.

Luciana citou a importante Eleonor Roosevelt: “‘você precisa fazer aquilo que pensa que não é capaz de fazer’. Você pode voltar a estudar! Você pode abrir aquele negócio! Você pode ser mãe! Você pode casar! Ainda dá tempo!”, exclama.

Dríade Aguiar aconselha que “eu acho que seria assim: “Encontre o seu rolê”, sabe? Porque a gente está o tempo todo falando sobre feminismo e etc., e esquece que esse feminismo também é organizado, esquece que ele também “tem regras”, tem caminhos, tem núcleos, tem debates, raízes, tem vertentes. Então, eu acho que as mulheres poderiam cada vez mais encontrar o grupo onde elas se sentem representadas, bem recebidas, onde elas se relacionam bem com as teorias, e também não se sentem obrigadas a fazer nada disso. Acho que na verdade a gente luta para que o dia da mulher seja de fato uma lembrança das nossas vitórias e não uma lembrança de tudo que está faltando conquistar. Acho que um recado agora é: encontre uma forma que você fique bem para que outras mulheres fiquem bem também” finaliza.

Por Raquel Porto